Crônica: “É MAIS DO QUE UM ABRAÇO DE LADO” - Martina Vian
— Porque você fez isso?
— Fiz o quê?
— Ficou longe dela pra tirar foto?
Eu franzi o cenho, encarando o rosto da minha amiga Julia que estava para ali, ao meu lado, esperando por uma resposta decente.
— Não sei... costume.
— Costume de que? — Ela não era de se exaltar, mas era compreensível a indignação dela. Visto que eu enchia os ouvidos dela sobre esse encontro a semanas. — Foi você que disse que tava com saudade, Martina. Por que ficou longe?
— Eu tenho medo de tocar nas pessoas e elas não gostarem disso. — disparei, fechando os olhos por reflexo. Senti como se tivesse acabado de quebrar uma vidraçaria cara.
O silêncio reinou. Minha amiga me olhou, sem saber o que responder.
Talvez porque não tinha entendido a lógica, ou realmente não sabia o que falar.
— Como assim? — ela perguntou.
Eh, ela não tinha entendido o que eu quis dizer.
Mas... como eu explico?
— Eu tenho medo porque... — Céus, como eu descrevo em palavras um sentimento desses? — É que, pra mim, o toque significa amor e carinho, mas e se a pessoa não gostar de mim tanto quanto eu gosto dela e… se sentir desconfortável com isso?
— Com um toque no braço, amiga?
— É, isso já aconteceu comigo. — Eu não queria contar pra ela a situação, mas já estava me sentindo ridícula mesmo, não faria tanta diferença assim. — Já teve vezes que uma pessoa conhecida passou a mão no meu braço em comprimento e eu fiquei o resto do dia arranhando aquele lugar pra tentar tirar aquela sombra de toque da minha pele...
Ela me olhou, sentindo que eu ainda não tinha explicado o bastante.
Eu não precisava ser adivinha, conhecia ela há pelo menos cinco anos. Estava claro que nada disso sentido dentro dos olhos dela.
— Tá, mas… Não é "só isso neh"?
Eu bufei, revirando os olhos e apoiando minha cabeça no ombro dela.
— Você me conhece bem demais... Isso me irrita às vezes.
— Não irrita não. Fala, vai...
— Eu tenho medo, não só com Ela, mas… com você também. — Juro que quis morder minha própria língua, mas parar no meio seria pior. — Na verdade é com qualquer mulher que seja minha amiga ou conhecida no geral.
Ela pareceu ainda mais confusa. Tentando ligar tudo o que eu disse até agora em algo coerente e falhando miseravelmente.
Eu percebi e continuei.
— Ju... eu tenho medo porque eu sou lésbica, e ela sabe disso.
Ela ergueu as sobrancelhas, me encarando como se não tivesse certeza de que tinha escutado direito.
— O que isso tem a ver?!
— Tudo! Ela sabe que eu gosto de mulheres e eu tenho medo de que qualquer coisa faça com que ela se sinta mal de estar do meu lado. Tipo... igual eu me sinto desconfortável perto de certos homens. Entende?
— Tá, mas porque você disse que fica assim comigo também?
— Porque a gente é muito próxima e eu não quero que você fique com aquelas paranoias, achando que eu tô dando em cima de você ou coisa assim.
— Acha que só porque você me abraçou eu ficaria pensando isso? Ou Ela? Ou qualquer uma?
— Eu não sei! Mas eu tenho medo… Pra mim essa coisa de toque físico é importante e eu tenho medo de ultrapassar os limites das pessoas, entendeu? — Eu realmente precisava saber se ela não estava me julgando uma maluca completa.
— E eu achando que você agia estranho do lado dela porque ficava nervosa.
Um sorriso sem graça me denunciou. Afinal, não deixava de ser verdade também…
— Talvez seja um pouco disso também, um pouco dos dois... ela tem um olhar que deixa as pessoas nervosas.
— Pior que tem mesmo, neh?
Ela começou a rir e eu acabei fazendo o mesmo sem notar.
— Eh...
— Mas foi ela que te puxou pra tirar foto. — Lá vai ela, voltar pro assunto outra vez.
— Eu sei. Daí eu fui mais perto.
— Mas ainda assim, mal se mexeu do lado dela.
— Eu já disse que tenho medo!
— Amiga... ela te conhece. E sabe que você nunca faria nada pra fazer ela se sentir mal ou… sei lá eu o que passa nas ansiedades da sua cabeça, assediada?
Eu fiquei calada.
Porque, é... no fundo eu tinha medo disso sim. Por conta de tudo o que falam mal de pessoas lgbt e o tanto que criticam mulheres lésbicas, principalmente. Chamando de putaria e não sei mais o que...
Eu tinha medo sim que interpretassem mal qualquer toque meu. Por mais inocente que fosse, como um abraço ou um toque no braço. Tinha medo que visse como assédio. Ainda que, talvez, essa palavra fosse um pouco demais.
— É... talvez você esteja certa... Desculpa.
— Não se desculpe. Me dá um abraço direito sua besta.
Ela me puxou para um abraço.
Eu me mantive mais firme, rígida e não aproximei tanto meu corpo do dela naquele abraço. Com certeza ainda era puro reflexo, impulso, memória muscular ou apenas medo mesmo…
Mas Juju me puxou de novo, me abraçando mais forte e eu senti meus ombros relaxarem. O nó da minha garganta se desfez e eu quis chorar.
Abraço parece uma coisa tão simples, né? Tão boba… Todo mundo faz isso como um cumprimento do dia a dia.
Entretanto, pra mim… Provavelmente eu seja melancólica demais. Mas quando se trata de abraço, um abraço de verdade, significa saudade, carinho, amor…
Só não confunda, eu estou falando daquele abraço que dura, que a pessoa faz questão de manter perto. E ainda tem tempo suficiente para dizer por cima do seu ombro:
"Que bom te ver..."